CONTRATO DE SEGURO EM GRUPO

CONTRATO DE SEGURO EM GRUPO

Artigo do Dr. Inaldo Bezerra, advogado militante do direito securitário e eleito recentemente Presidente da AIDA Brasil

Poderia o estipulante do contrato de seguro de vida em grupo obter quitação plena de eventuais obrigações contratuais e extracontratuais perante segurados componentes do grupo ou seus beneficiários, em caso de pagamento do capital segurado realizado pela seguradora?
Neste artigo ao explorar os princípios indenitário e compensatório presentes respectivamente nos seguros de dano e de pessoas, ao final responderemos com segurança o questionamento preliminar.
A NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE SEGURO EM GRUPO POR ESTIPULAÇÃO
A forma de contratação por estipulação e estipulação em proveito de grupo encontra amparo legal nos artigos 436, 437, 438 e 801 do Código Civil Brasileiro.
Encontrar a natureza jurídica de um instituto do Direito consiste em se apreender o elemento fundamental que o integra, contrapondo-o, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas, de modo a classificar o instituto enfocado no universo das figuras do Direito.
A espécie se desenvolve no interior de um determinado grupo de pessoas, daí a denominação de seguro em grupo, coletivo ou grupal.
Os componentes desse grupo, denominado grupo segurável, devem estar, segundo o artigo de lei[1], vinculados à pessoa física ou jurídica que estipula o seguro.
Este contrato de seguro não é celebrado com a seguradora pelos componentes do grupo segurável, mas sim, pela pessoa física ou jurídica que mantém o vínculo determinado com esses, o estipulante.
O estipulante celebra com a seguradora um contrato matriz, que será chamado de apólice mestre, contendo o conteúdo do vínculo contratual, como garantias do seguro, riscos cobertos e excluídos, forma de adesão, entre outros assuntos que forem de interesse do grupo segurável.
Firmado o contrato mestre, os componentes do grupo segurável poderão a ele aderir, obtendo a partir de então, a garantia individual que desejam. Com essa adesão forma-se uma relação individual entre componente do grupo segurável e a seguradora.
Vê-se, portanto, que os componentes do grupo segurável, após a adesão e aceitação da seguradora, se constituirão em segurados, sendo eles ou seus beneficiários os que possuem legitimidade do direito à prestação da seguradora.
Observa-se de pronto certa peculiaridade a definir a natureza jurídica deste contrato, isto porque, enquanto o crédito da seguradora que é o prêmio é obrigação do estipulante, a prestação de garantia, obrigação da seguradora, é direito exclusivo dos segurados.
Vale dizer, enquanto o direito do segurado à garantia se coloca frente à seguradora, o prêmio é devido a esta pelo estipulante, que tem a obrigação de solvê-lo.
Dada a particularidade de sua formação autoriza-se concluir que se trata de um contrato único composto do contrato mestre e de todas as relações dele decorrentes.
OBRIGAÇÕES DO ESTIPULANTE NO CONTRATO DE SEGURO EM GRUPO
Como se observa do artigo 801 do Código Civil, estipulante é toda pessoa física ou jurídica que, possuindo um vínculo com um grupo determinado, estipula seguro em proveito dos componentes desse mesmo grupo.
Ao estipulante cabem todas as tratativas preliminares destinadas à contratação do seguro, entretanto, sua missão não se exaure ai, pois, lhe cabe também exercer as funções de mandatário dos segurados, por força do §2º do artigo 21, do Decreto Lei 73/66[2].
OBRIGAÇÕES DOS SEGURADOS
A principal obrigação do segurado é pagar a contribuição ao estipulante para a formação do dos recursos necessários para o prêmio global, em caso de seguros contributários.
É também ônus do segurado comunicar o sinistro, excepcionado por óbvio a sua morte, hipótese em que a obrigação se transfere para os beneficiários.
A comunicação poderá ser feita por via do estipulante, mas, sempre dirigida ao segurador, maior interessado em tomar conhecimento do fato capaz de gerar a obrigação de pagar o valor segurado.

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O SINISTRO COBERTO PELA APÓLICE POR SI SÓ NÃO FAZ SURGIR PRETENSÃO EM FACE DO ESTIPULANTE
A ocorrência do evento amparado pela apólice de seguro em comento, por si só não é capaz de gerar para o estipulante a obrigação de indenizar.
Buscando compreender o significado do termo responsabilidade, a partir de sua origem, sabe-se que a palavra contém a raiz latina spondeo, fórmula conhecida pela qual se ligava solenemente o devedor nos contratos verbais do Direito Romano. Portanto, esse termo comunica a ideia de resposta a alguma obrigação que lhe antecede.
A responsabilidade compreende um dever jurídico originário, o qual, quando não observado segundo a regra jurídica, faz surgir um dever jurídico sucessivo em razão da não observação daquele.
Assim, vislumbramos a responsabilidade buscando-se aquele que tinha a obrigação legal de não cometer o ato ilícito. É fácil concluir que a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.
A compreensão desse conceito apresenta evolução histórica proporcional aos movimentos sociais e as correspondentes demandas dos diversos segmentos da sociedade, por ampliação e reconhecimento de direitos.
Nos dias atuais, o simples conceito de culpa já não é o único determinante para que alguém responda por um dano causado a um terceiro. Alguém pode responder pelos prejuízos, ainda que não tenha sido o culpado pelo evento.
É a teoria da Responsabilidade Civil Objetiva, presente no nosso ordenamento jurídico, em diversas legislações, entre as quais se destacam o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.
A responsabilidade civil, portanto, seja pela teoria subjetiva com a necessidade da prova de culpa ou pela teoria objetiva sem a necessidade da prova deste elemento, é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa que a ela pertença ou por simples imposição legal.
Na hipótese em estudo, apenas a ocorrência do sinistro, não faz surgir para o estipulante nenhuma responsabilidade indenizatória, cabendo, é claro, apurar as circunstâncias, a verificar eventual causação.
NATUREZA JURÍDICA DO VALOR PAGO PELA SEGURADORA
Ocorrido o sinistro com o segurado, o contrato de seguro ativado na hipótese é o de pessoas, onde o princípio norteador é o compensatório, vale dizer, não se indeniza e não se substitui, mas sim, busca-se compensar a dor pela perda do segurado ou dependendo do caso, por sua invalidez.
Por outro lado, os seguros de dano, por previsão expressa do artigo 778 do Código Civil, traz em sua formação o princípio indenitário, ou seja, que indeniza, substitui ou permite substituir.
Por consequência, a garantia prometida no seguro de dano não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena de servir o seguro como meio de enriquecimento sem causa, diverso do que ocorre no seguro de pessoas, cuja limitação legal inexiste, já que, repita-se, não se pretende recompor patrimônio perdido.
Assim é que a garantia que é prestada pela seguradora, pagando o valor em que a origem é o seguro de pessoas, não tem como caráter indenizar, seja o segurado ou o seu beneficiário.
A TRANSAÇÃO COM O PAGAMENTO DO CAPITAL SEGURADO
A transação é negócio jurídico onde os interessados previnem ou terminam litígio mediante concessões recíprocas. Este é o conceito que se extrai da previsão legal estatuída no art. 840 do Código Civil Brasileiro.
Na hipótese em estudo, poderia o estipulante obter do segurado e/ou beneficiários deste a quitação plena de obrigação imposta?
Obrigação pressupõe causação de dano que por sua vez gera dever de indenizar.
Desta forma, imputada a responsabilidade pelo evento ao estipulante, surgirá para este o dever de pagar uma indenização, obrigação esta que não deverá ser satisfeita pelo pagamento do capital garantidor da apólice de seguro de pessoas, pois, como vimos, tal verba não tem caráter indenizatório, mas, compensatório, não podendo, sem prejuízo de tratar-se de direito disponível, ser utilizado para a quitação de deveres diversos do que se pretendeu em sua natureza jurídica.
Na hipótese se adequaria a contratação de um seguro de responsabilidade civil, instituto jurídico afetado em caso de responsabilização do estipulante pela causação de eventual dano patrimonial ou moral ao segurado.
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[1] Artigo 801. Código Civil. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
[2] Art 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os eleitos de contratação e manutenção do seguro. § 1º Para os efeitos dêste decreto-lei, estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário. § 2º Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados. […]

Inaldo Bezerra